Friday, February 5, 2016

CARNAVAL EM NOTTING HILL (por Ivan Lessa)

publicado originalmente pela BBC-Brasil
em 29 de Agosto de 2011


Nunca deixa de ser precedido ou seguido de “o maior festival de rua da Europa”. Já ouvi de gente que sabe das coisas que essa honra caberia a Veneza, Nice e até mesmo Bucareste.

Os leitores mais perspicazes terão notado que me referi ao Carnaval de 2 dias no simpático bairro, que sai no bloco, para todos os efeitos legais e outros mais, do bairro de Kensington & Chelsea, como “em” e não “de” Notting Hill.

Uso com a devida prudência minhas preposições. Daqui a um ou dois parágrafos, “atravessando”, como dizem os carnavalescos escolados, explicarei.

Como apenas turista de televisão, diante dela postado, traje passeio doméstico (da sala para o quarto, deste para a cozinha), observo os acontecimentos, embora, para ser franco, as coisas na Líbia e as estrepolias de Irene, na costa leste dos Estados Unidos, me despertem mais o interesse, sempre mórbido.

E foi um prazer, Irene - furacão que virou tempestade tropical e acabou garoa.

Em Cingapura, agora nesses mesmos dias, teve um, anônimo, que levou 8 vidas e nem notícia foi.



Na segunda-feira, 29 de agosto de 2011, 600 mil pessoas se espremerão no bairro delineado por Ladbroke Grove, de um lado, e a Great Western Road, do outro, para assistir ao espetáculo de 60 grupos desfilando ao som de todos os instrumentos de percussão (mais infernais apitos) que lhe caírem às mãos e passarem pela cabeça.

Bater em cabeça também vale este ano, ao que parece, isto porque a polícia, ainda rescaldada do e pelos eventos de balbúrdia, desordem, pilhagem (e podem acrescentar mais) compareceu no domingo e marcará forte presença na segunda (feriado aqui, claro): 5.500 policiais lá estiveram no domingo, supostamente o tradicional “Dia das Crianças”, exatamente, opinaria eu, as pessoinhas mais perigosas, e 6.500 na segunda, dia de adultos. Serão 1.000 mais do que em outros anos.

Vejam só, para o casamento real de William e Kate, em abril, apenas 5.000 procuraram e conseguiram manter a paz.

Centenas de milhares de pessoas se apertando ao som de atabaques e garfos batendo em pratos e apenas 270 toaletes.

Há aí um estopim, na minha opinião, para ao menos um pequeno riot vir a desbancar furacões e ações da OTAN na Líbia.

Os residentes de Notting Hill, feito em Nova York, foram todos para fora. Desbandaram como se um prefeito tivesse dado ordens para que deixassem suas casas e fossem sambar em outros terreiros.

Os 2 dias de carnaval em Notting Hill, este ano, tiveram menos 90 minutos de duração, como se fuzarca tivesse hora para começar ou acabar. Carnaval deve ser feito a garoa Irene: avoada e cheia de nove horas ou menos se possível.

E eis-me diante da queixa, da minha proposital troca de preposições.



O primeiro Carnaval de Notting Hill, a ter lugar na rua e não em recinto fechado, foi em 1965.

Eram bandas de origem caribenha, em seus participantes, instrumentos e repertório.

Os foliões nada tinham de momescos. Eram independentes de qualquer entidade mítica de nossa intimidade, ao menos a olho nu.

Seu objetivo era dos mais louváveis: promover a unidade entre as populações pobres do bairro (ainda não se falava nem em “comunidades” nem em “destituídas”), na época compostas de ucranianos, africanos, irlandeses e portugueses.

A cultura caribenha predominava como ainda predomina.



Em 1969, eu morava lá por aquelas bandas, em Willesden Green, e num domingo (esse dia besta) de Carnaval lá fui dar uma espiada. Nada mais simpático. O som gordo e ao mesmo tempo macio, e eu diria até apaziguador das steel bands, predominava e caía bem nos ouvidos.

Essas “bandas metálicas” que, graças a Deus, nada têm em comum com as metálicas de uns tempos para cá, eram todas na base daqueles bujões de gasolina com cavidades milimetricamente separadas para se obter as notas ideais, que sempre vinham na hora certa.

Vendedores de rua ofereciam a bom preço jerky chicken, e esse jerky está me cheirando ao nosso xarque.

As moças improvisavam suas fantasias. Muito papel crepom e a modéstia também desempenhavam um papel importante no que chamamos um dia de “pular Carnaval”. Eis-me de novo em pleno terreno das preposições.



Carnaval em Notting Hill é o que passou a ser, graças à nossa sempre preciosa colaboração.

Eles, os ingleses, têm a mania de dizer que as festividades (para fazer uma conta de chegar) de Notting Hill são o segundo melhor Carnaval do mundo, só perdendo para o do Rio. Não sei, não.

Ano após ano, há mais cuícas, pandeiros, sambas, mulheres orgulhosamente sacudindo fora do ritmo seus vastos traseiros. E gente fantasiada de índio. Toda pessoa vestida de índio com um tambor ao longe é sempre a coisa mais triste do mundo.

Que seja: como minha vida, de repente, passou a ser diante de televisão, vou dar uma espiada na decadência (um prefeito queria estender o número de dias e levar os festejos, aí sim, momescos, até Hyde Park, coitado).

Torcendo para que, nesse cordão, todos se comportem como a garoa Irene e Khadafi e seus doudos cabelos se entregue às forças aliadas com um sorriso, um abraço e um reco-reco na mão.



Foi Ivan Lessa quem criou a frase
"Deus criou o sexo e Freud a sacanagem"
e a colocou na boca do ratinho Sig,
sua imortal criação, mascote do semanário ipanemense O PASQUIM,
que Ivan ajudou a fundar antes de mudar de mala e cuia para Londres
e nunca mais voltar ao "Bananão".
Ivan, por incrfível que pareça, nasceu em São Paulo.
Filho dos escritores Orígenes e Elsie Lessa,
ele foi tradutor, publicitário e cronista para vários jornais
e revistas brasileiros, além da BBC-Brasil.
Morreu de enfisema pulmonar na sua querida Londres,
onde viveu mais de 35 anos,
em junho de 2012, aos 77 anos de idade.
Deixou uma obra extensa e confusa,
que ainda há de ser devidamente organizada e valorizada.



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